Descrição
Piotr Arshinov – História do Movimento Makhnovista
A Makhnovitchina é um fenômeno de imenso alcance, de uma grandeza e de uma importância extremas; um fenômeno que se desenrolou com uma força completamente excepcional, que desempenhou um papel extraordinário e excessivamente complicado na continuação da Revolução Russa, que manteve uma luta titânica contra a reação, qualquer que ela fosse e que mais de uma vez salvou a Revolução do desastre; é, além disso, um movimento bastante rico em episódios brilhantes e que atraiu a atenção e o interesse geral, não só na Rússia como em todo o Mundo. Por outro lado, a Makhnovitchina despertou nos diferentes partidos revolucionários e reacionários os sentimentos mais diversos, a começar pelo ódio e a feroz hostilidade, passando pelo assombro, pela desconfiança e pela suspeita, terminando com a simpatia e a admiração mais profundas.
Trecho da Introdução
“Para o leitor desprevenido que toma contato com esta obra, é importante saber de que tipo de obra se trata. Será um estudo sério e consciente ou um conto fantástico e insensato? Poderá se confiar no autor, pelo menos no que diz respeito aos fatos e à sua cronologia, ao material que expõe? Será suficientemente imparcial? Não violentará a verdade para, com isso, elevar as suas ideias e rebaixar as de outros?
Essas não são questões irrelevantes.
É essencialmente necessário tratar com a maior prudência todos os documentos sobre o movimento makhnovista. O leitor assim o compreenderá, se analisar de perto algumas de suas características.
Por um lado, a Makhnovitchina é um fenômeno de imenso alcance, de uma grandeza e de uma importância extremas; um fenômeno que se desenrolou com uma força completamente excepcional, que desempenhou um papel extraordinário e excessivamente complicado na continuação da Revolução Russa, que manteve uma luta titânica contra a reação, qualquer que ela fosse e que mais de uma vez salvou a Revolução do desastre; é, além disso, um movimento bastante rico em episódios brilhantes e que atraiu a atenção e o interesse geral, não só na Rússia como em todo o Mundo. Por outro lado, a Makhnovitchina despertou nos diferentes partidos revolucionários e reacionários os sentimentos mais diversos, a começar pelo ódio e a feroz hostilidade, passando pelo assombro, pela desconfiança e pela suspeita, terminando com a simpatia e a admiração mais profundas.
No que concerne ao partido comunista e ao “poder soviético”, que monopolizaram a Revolução, a Makhnovitchina viu-se obrigada a travar contra eles uma luta sangrenta, como a travada contra a reação, acertando-lhes uma série de golpes morais e físicos fortíssimos.
Por fim, a personalidade de Makhno, completa, brilhante e poderosa, como o próprio movimento, não deixou de atrair a atenção geral, despertando, em alguns, a simples curiosidade ou assombro; noutros, a indignação estúpida ou o espanto irrefletido; noutros, ainda, um ódio implacável, ou, por último, um amor sem limites.
É, pois, natural que a Makhnovitchina possa dar lugar a alguns relatos impulsionados por outras considerações que as do verdadeiro conhecimento de causa e que o desejo de a tornar compreensível, como a descrição imparcial, o esclarecer dos fatos e o fixar dos acontecimentos aos demais de uma forma precisa, a fim de serem entregues à disposição dos historiadores. Uns empunham a caneta movidos por razões políticas: a necessidade de justificarem e afirmarem as suas posições, aviltando e caluniando o movimento hostil aos seus chefes. Outros creem-se obrigados a dar mais um pontapé num fenômeno que está acima das suas compreensões, que os espantou e os incomodou. Outros ainda, seduzidos pela lenda que logo rodeou o movimento, escrevem somente porque é um tema de sensação, pelo interesse aceso do grande público, pela perspectiva tentadora de ganhar dinheiro com algumas páginas de novela. Finalmente, os que têm a mania de jornalismo.
E desse modo acrescentam-se os “materiais” que não podem servir para mais do que embrulhar desesperadamente as noções do leitor e destruir-lhe qualquer possibilidade de conhecer a verdade.
Por outro lado, o movimento, apesar do seu grande alcance local ter um caráter restrito e concentrado, desviou forçosamente a consequência das suas condições especiais. Sendo produzido pura e unicamente pelas camadas mais “baixas” das massas populares, estranhas a toda a pretensão de esplendor, de dominação e de glória, tendo a sua origem nos limites da Rússia, longe dos seus grandes centros; desenvolvendo-se num espaço circunscrito; separado não só do mundo inteiro, mas também de todas as outras regiões do país, o movimento permaneceu nesses fatores essenciais, pouco conhecido afora dos seus limites. Desenrolando-se, quase sem intervalos, em condições de luta armada, incrivelmente tenazes e penosas; rodeado por todas as partes por inimigos; com poucos adeptos entre as esferas não-trabalhadoras; combatido sem quartel pelo partido governante e ensurdecido pelo alvoroço sangrento da atividade estatal que esse partido desenvolvia; tendo perdido, pelo menos, 90 por cento dos seus melhores participantes; não tendo tido tempo nem possibilidade de fixar, de juntar, de conservar os seus atos, palavras e pensamentos para a posteridade, o movimento deixou poucos documentos vivos. As ações da Makhnovitchina produziram-se sem serem recolhidas em parte alguma. A sua documentação não foi nem difundida nem conservada. Resulta disso que, na sua maior parte, o movimento continue desconhecido no estrangeiro e oculto aos olhares do investigador. Não é fácil penetrar até a sua essência profunda. Assim como milhares de heróis “modestos” das épocas revolucionárias permanecem desconhecidos para sempre, do mesmo modo, o movimento makhnovista, a epopeia dos trabalhadores ucranianos está em perigo de sofrer a mesma sorte. O riquíssimo tesouro dos seus acontecimentos permanece ainda hoje intacto. E se o destino não tivesse conservado com vida alguns dos participantes do movimento, que o conhecem a fundo e são capazes de dizer toda a verdade sobre ele, poderia ficar ignorado para sempre…
Tal estado de coisas cria, para o leitor atento ou para o historiador, uma situação extremamente delicada; um e outro veem-se obrigados a dissecar e a criticar, por eles próprios, as obras e os elementos mais contraditórios; e não só sem fatos imediatos que possam orientá-los, como, também, sem o menor indício de “onde” e “como” poderiam ser encontrados.
Eis aqui por que é necessário ajudar o leitor a separar o joio do trigo. Eis aqui por que o problema da pessoa do autor e do caráter da sua obra devem ter, nesta ocasião, um significado completamente
diferente.
Eu me atrevi a escrever um prefácio para este livro e a fornecer luz sobre essas questões porque a sorte quis que fosse eu um dos participantes da Makhnovitchina, e que, tendo-lhe sobrevivido, possua um conhecimento suficiente do movimento e do autor do livro e das condições em que a obra foi realizada.
Permito-me, primeiramente, uma reserva pessoal.
Se me pudesse perguntar (o que, por outro lado, me sucede frequentemente) por que não escrevo eu próprio sobre o movimento makhnovista. Não o faço por causa de diversas razões a tomar em conta; eis aqui algumas:
Somente, quando se está na posse de todos os elementos, rigorosa e escrupulosamente, é possível abordar a tarefa de expor os fatos e aclarar o fundo desse movimento. Tal tema exige um trabalho especial, amplo. Pois bem: este trabalho foi-me até hoje impossível por várias razões e, por isso, em primeiro lugar, creio necessário abster-me de momento.
A epopeia makhnovista é demasiado grave, sublime e trágica; está demasiadamente regada com o sangue dos seus participantes; é bastante profunda, complicada e original para que se possa tratar ligeiramente, fundamentando-se, por exemplo, nos relatos e nos testemunhos contraditórios dos seus diversos personagens. Expor a matéria, servindo-nos unicamente dos documentos, não é para já a nossa intenção, porque os documentos são coisas mortas que estão distantes de refletir a vida. Escrever com o apoio único de papéis será o trabalho dos futuros historiadores, que não tenham outros elementos à sua disposição. Os contemporâneos devem ser, em relação à obra e a si próprios, muito mais exigentes e severos, porque será a eles que a história fará as suas reclamações. Devem abster-se de narrações e de juízos sobre os fatos em que não tenham tomado uma intervenção ativa e pessoal. Não devem, tampouco, deixar-se seduzir pelos relatos e documentos para “fazer história”, sem se darem ao trabalho de fixar a sua experiência pessoal, se é que a tiveram. Em caso contrário, correriam o risco de deixar na sombra ou, o que seria pior, corromper a verdade essencial, a alma viva dos acontecimentos, e de fazer cair em grave erro o leitor e o historiador. Até mesmo as suas experiências pessoais não estão isentas de inexatidões e equívocos. Mas isso não tem nenhuma importância neste caso. Dar uma visão real, viva e substantiva dos acontecimentos é, sim, o ponto capital. Sobrepondo essa visão com os documentos e os outros elementos, será fácil ultrapassar certos erros secundários. Eis, aqui, por que o relato de um participante, de uma testemunha ocular do sucedido, tem uma importância especial. Quanto mais profunda e completa tenha sido a experiência, tanto mais importante e urgente a realização deste trabalho. Se, para mais, esse participante se encontra, também, na posse de uma vasta documentação e de testemunhos de outros participantes, o seu relato adquire uma significação de primeira ordem.
Terei de falar da Makhnovitchina mais tarde, sob uma forma e uma luz especiais. Mas não posso escrever uma “história completa” do movimento makhnovista, porque não possuo um conhecimento detalhado e completo do assunto. Tomei parte nele durante cerca de seis meses, de agosto de 1919 a janeiro de 1920; o que significa dizer que estou longe de tê-lo observado em toda a sua extensão. Encontrei Makhno pela primeira vez em agosto de 1919. Perdi logo completamente de vista o movimento e o próprio Makhno (por ter sido detido também) em janeiro de 1920, e não estive em contato, depois disso, mais que 15 dias de novembro do mesmo ano (na época do tratado de Makhno com o governo soviético). Depois perdi outra vez de vista o movimento. É evidente que o meu conhecimento pessoal não poderia ser perfeito, apesar do que observei, experimentei e refleti sobre ele.
Portanto, quando me interroguei por que não escrevia sobre a Makhnovitchina, respondi sempre: porque deve fazê-lo outro melhor documentado que eu. Falava justamente do autor da presente obra.
Sabia que tinha atuado continuamente neste movimento. Em 1919, trabalhamos juntos. Sabia também que recolhia os elementos necessários. Sabia que escrevia laboriosamente na história completa; sabia, enfim, que o livro tinha sido terminado e que o autor estava disposto a publicá-lo no estrangeiro. E estimava que era justamente essa obra que deveria aparecer antes de qualquer outra; era “uma história completa da Makhnovitchina, escrita por um que, tendo participado no movimento, possuía um tesouro de materiais”.
Existem, ainda, muitas pessoas convencidas de que Makhno não era mais que “um simples bandido”, um “instigador de insurreições”, que arrastou a massa obscura dos soldados e dos camponeses, sempre disposta ao saque, para a guerra. Há outros que o consideram como um “aventureiro” e que dão ouvidos aos contos malévolos e absurdos que dizem ter “aberto a frente” em Denikin, ter “confraternizado” com Petliura, ter-se “aliado” a Wrangel… Por causa dos bolcheviques, muita gente continua caluniando Makhno como “chefe do movimento contrarrevolucionário dos camponeses kulaks2” e consideram o anarquismo de Makhno como invenção ingênua de alguns anarquistas, da qual ele soube habilmente tirar partido…
Mas Denikin, Petliura, Wrangel não são mais que brilhantes episódios de guerra; valem-se deles para acumular mais mentiras. Pois bem: a luta contra os generais reacionários não poderia encontrar os quadros da Makhnovitchina. O fundo essencial do movimento makhnovista, a sua substância verdadeira, as suas ações orgânicas permanecem quase desconhecidas.
Não se poderia emendar esse estado de coisas por meio de artigos sem conexão, de notas isoladas, de obras parciais. Quando se tem que tratar um fenômeno de uma grandeza e de uma complexidade tais, como as que caracterizam a Makhnovitchina, semelhantes artigos e obras oferecem poucos recursos, não iluminam o conjunto do quadro, são devorados quase sem deixar rastro no mar de papel impresso. Para dar um golpe decisivo a todas as fábulas e o impulso a um interesse e a um estudo profundo do assunto, é necessário publicar uma obra mais ou menos completa, depois da qual será proveitoso tratar separadamente os diferentes problemas, os episódios particulares e os detalhes.
É esta obra que aqui se apresenta. O seu autor estava chamando a realizá-la melhor que qualquer outro e é de lamentar que, como consequência de diversas circunstâncias desastrosas, tenha aparecido com um atraso considerável.”
Volin
Sumário
APRESENTAÇÃO, VOLIN
PREFÁCIO
CAPÍTULO 1: A DEMOCRACIA E AS MASSAS TRABALHADORAS NA REVOLUÇÃO RUSSA
CAPÍTULO 2: A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO NA GRANDE RÚSSIA E NA UCRÂNIA
CAPÍTULO 3: A INSURREIÇÃO REVOLUCIONÁRIA NA UCRÂNIA – MAKHNO
CAPÍTULO 4: A QUEDA DO HETMAN – A PETLIUROVITCHINA – O BOLCHEVISMO
CAPÍTULO 5: A MAKHNOVITCHINA
CAPÍTULO 6: A MAKHNOVITCHINA (CONTINUAÇÃO)
CAPÍTULO 7: A GRANDE RETIRADA DOS MAKHNOVISTAS E A SUA VITÓRIA
CAPÍTULO 8: OS ERROS DOS MAKHNOVISTAS – SEGUNDA AGRESSÃO DOS BOLCHEVIQUES CONTRA A REGIÃO INSURGIDA
CAPÍTULO 9: ACORDO ENTRE OS MAKHNOVISTAS E O GOVERNO DOS SOVIETES – TERCEIRA AGRESSÃO DOS BOLCHEVIQUES
CAPÍTULO 10: O PROBLEMA NACIONAL NA MAKHNOVITCHINA – A QUESTÃO JUDAICA
CAPÍTULO 11: A PERSONALIDADE DE MAKHNO – NOTAS BIOGRÁFICAS DE ALGUNS MAKHNOVISTAS
CAPÍTULO 12: A MAKHNOVITCHINA E O ANARQUISMO
CONCLUSÃO
APÊNDICE: A REVOLUÇÃO SOCIAL E O SINDICALISMO